As Origens Profundas da Intolerância e Ódio Entre Nós. Por Cândido Grzybowski

Sentidos e Rumos

Com esta eleição, temos um grande desafio imediato que é criar condições para reestabelecer minimamente as bases democráticas definidas em 1988, que apontam para o reconhecimento mútuo e convivência em base a direitos na diversidade. Concretamente, está possibilidade está sendo apontada por pesquisas eleitorais e por muitos analistas, com a vitória de um bloco de forças democráticas em torno ao Lula no confronto com o presidente atual, postulante à reeleição. Mas  o inominável vem alimentando suspeitas quanto à lisura do processo eleitoral e não esconde suas inclinações golpistas e autoritárias. Esta eleição tornou-se estratégica para  definir um limite a tal possibilidade de fratura social e política, mas não eliminá-la por si só.

Uma democracia e sua institucionalidade definem o modo de enfrentamento das desigualdades ecossociais e dos conflitos que se geram historicamente na sociedade concreta. Para isto, afirmam princípios e valores éticos na forma de direitos de cidadania igual na diversidade. Mas democracia não é um projeto acabado. Trata-se de um processo que pode ser mais ou menos virtuoso em termos de garantir direitos iguais na diversidade, dependendo das circunstâncias, ativismo da cidadania e correlações de forças. E também destas condições depende a possibilidade de ruptura democrática e de plena instalação de regimes autoritários e fascistas. Este segundo cenário se configurou pela atuação das forças em torno ao presidente atual, alimentando e mobilizando abertamente o ódio e a intolerância em nosso seio, com apelo até à religião, numa combinação totalmente esdrúxula de “Deus, Pátria e Família”.

Mas voltando ao ponto, mesmo com a vitória de forças declaradamente democráticas, estaremos fixando um limite ao ódio e à intolerância que se manifestam descaradamente na atualidade. Mas não podemos esquecer que estamos diante de um terço da cidadania apta a votar no Brasil que respalda este modo de agir e viver, apoiando o seu líder candidato à reeleição. Como vamos enfrentar tal legado e como desativá-lo?

O ódio e a intolerância tem raízes históricas e estruturais profundas. Somos  uma sociedade e um país “independente” formada a pau e fogo pela conquista e colonização,  que implicou na eliminação sistemática de povos originários e na formação de  uma economia baseada no tráfico negreiro e trabalho escrava para sistemático extrativismo destrutivo em busca de matérias primas para o capitalismo nascente. Não cabe aqui examinar as mudanças que foram feitas ao longo do tempo, mas que parecem mais reinventar e modernizar e pouco transformar de fato as relações, as  estruturas e os processos. Enfim, somos ainda hoje uma sociedade profundamente desigual, excludente, violenta e destrutiva,  em termos socais e na relação com a natureza.

A Constituição de 1988 teve na sua origem potentes movimentos de cidadania contra a ditadura militar e por democracia com mais justiça e igualdade. Por isto, alimentou um imaginário de ser possível enfrentar nossas heranças estruturais fundadas no colonialismo, racismo e patriarcalismo, com violência como norma dominante, em todos os domínios. De algum modo a agenda do enfrentamento obteve legitimidade na esfera pública da sociedade, nas  instituições e na Constituição. Tivemos, sem dúvida, alguns avanços, mas… as mudanças estruturais buscadas não conseguiram criar situações irreversíveis. Este é o desafio de fundo para uma potente democracia entre nós. Saberemos reinventá-la a partir de onde estamos agora? O desafio hoje de não é igual, mas é tão grande como o que tivemos para  derrotar a ditadura.

Como ativista e analista penso no quando e como erramos para chegar à situação que vivemos nos últimos anos. O ódio e a intolerância não foram inventados agora, foram reativados e legitimados no processo que nos levou ao atual governo na esfera pública, como modo de fazer política e alimentar aos seus apoiadores fanáticos. Agora, teremos uma gigante tarefa emergencial para enfrentar a desregulação democrática e o esvaziamento de políticas em várias frentes, com apoio aberto para o desmatamento em vários biomas, com liberação do rearmamento e estímulo à violência no dia a dia, pregação de racismo, misoginia e homofobia, com um ideal que premia os mais competitivos e fortes, a serviço dos donos do agronegócio e empresas quer apoiam isto tudo. O ódio e a intolerância combinados , envernizados pelo apelo a certas manifestações religiosas como mandato de deuses, mostram o tamanho da encrenca.

Vamos precisar muito ativismo cidadão radicalmente democrático e transformador para fazer face a isto. Teremos vontade, força política e saberemos dar conta de tal tarefa inadiável? Ganhar a eleição é estratégico. Mas a vitória do bloco democrático não assegura que a busca de direitos na diversidade e com perspectiva transformadora ecossocial tenha real hegemonia como direção a dar no curso do país. Sem cidadania disputando a hegemonia de tal imaginário, não serão os mandatos conferidos  a  governantes e legisladores que poderão dar conta por si mesmos. Esta é uma tarefa histórica que só a ação cidadã permanente pode impor aos poderes  e, através deles,  à economia.

Os tempos que se aproximam são de muitos desafios. Haja convicção e engajamento! Novamente, a hora é da cidadania fazer a diferença fundamental.

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